29 de abril de 2011

Pinceladas



Desde que há corpos, pintam. Desde que há cavernas, pintam. Desde que há afrescos, murais, paredes, telas. Uma das inflexões artísticas mais instintivas e definidoras dos modos de pensar perceber e agir em relação ao meio social e a era que se vive é a pintura. 
Em alguns homens e mulheres pulsava e pulsa uma necessidade irreparável de criar imagens e alguns desses homens são imprescindíveis por darem significados múltiplos e atemporais ao que estampa o papel, a tela ou o fotograma. As imagens são enormes, são maiores que suas mentes e para suportá-las pintam (ou no nosso caso filmam). 
Eu, particularmente, apesar de adorar uma paisagem, sou chegado num expressionismo (não só o Expressionismo) e um academicismo aqui e acolá. 
A sétima arte não se furtaria a representar sua irmã mais velha. Para tanto, escolhem a forma mais óbvia e direta (e a minha preferida): contar a trajetória de vida e obra de expoentes da terceira arte (convencionada como tal por Claude Beylie). Já é convenção, em 99% desses filmes se farão por um personagem central genial-incompreendido-excêntrico-espírito livre que vai lutar contra uma visão dominante da arte que vigora em seu tempo para demonstrar a vanguarda de suas pinceladas e nesse processo acompanhamos seu caminho da ascensão, queda e sacralização. Acho que de nossa seleção só o filme do Tarkovskiy  e em certa medida o do Greenaway fujam desse esquema...o que não é nenhum mérito em relação às outras obras.
Vamos a eles.

Andrei Rublev, O Artista Maldito - O Evangelho segundo Tarkovskiy. A Idade Média segundo Tarkovskiy. O Apocalipse segundo Tarkovskiy. Só pela citação de Eclesiastes ganha muitos pontos. Já houve um tempo em que os homens só se moviam nesse mundo por fé mesmo que o mundo continuasse a se mover apesar dos homens. E como Tarkovskiy adora filmar água em movimento. O caos gigantesco que cerca Rublev, mesmo pregando o amor por quanto tempo ele resistirá sem sucumbir à barbárie. Pintar pára elevar-se aos céus. Um filme sobre um pintor, e a pintura fica em segundo ou terceiro plano. O mundo cercante do pintor é absoluta e profundamente analisado. A cena da vaca pegando fogo na invasão Tártara choca. Um filme de muitos significados, merece muitas vistas, apesar do ritmo difícil e da narrativa truncada. 

Caravaggio - Um de meus pintores favoritos. Il Tenebroso. O primeiro boêmio, sacrílego, pecaminoso, intenso, renovador e um verdadeiro criador da arte, gauche, lançador de novos olhares para temas tradicionais. Caravaggio queimou intensamente. Conheceu o pior do ser humano. Em Roma descobriu os abismos habitados por homens, viu que a morte era verdadeiramente horrível e decidiu mostrar isso a todos em seus quadros. Escolhi a versão da tv italiana de 2007, dirigida por Angelo Longoni, e não a versão de Derek Jarman por um motivo simples: eu gosto bem mais. O filme de Jarman por algum motivo para mim não desce. E o didatismo de Longoni não incomoda.

Ronda Noturna -  Outro dos meus pintores favoritos Rembrandt em um filme de um diretor que não me desperta paixões irreversíveis. Já começa com uma cena linda que Rembrandt tenta definir a grande matéria prima do pintor: a cor. O casal Rembrandt e Saskia interpretado respectivamente por Martin Freeman e Eva Birthistle é absolutamente encantador e fazem a representação das mais sinceras sobre um casamento. Dizer que a produção de arte do filme é linda de matar é uma obviedade, sempre muito respeitosa à arte de Rembrandt todos os quadros da película se esmeram em fazer o espectador enxergar o mundo como via o pintor holandês. Devo admitir que Greenaway faz algo adorado pelos meus olhos: abrir bem as laterais da câmera esquecendo ou dando o mínimo possível de close-ups. Rembrandt foi notável num período de notáveis como o Capitão John Smith, Shakespeare, Galileu, Descartes, Gerardus Mercator, Vermeer e Bacon.  

Basquiat, Traços de uma Vida - Um vadio, haitiano, drogado e furioso em sua arte. Seus "grafites" desesperados mostrando o ódio e a feiúra do mundo de hoje. Para enxergar um futuro desolado Basquiat pintava um presente opressivo. E que trilha sonora...e que elenco legal. O pai artístico de Bansky, Os Gêmeos, Profeta Gentileza e Damien Hirst e muitos outros. A poesia das sarjetas da metrópole. A NY freak desclassificada e glamurosa. Curti muito as cenas dívididas por David Bowie e Jeffrey Wright.

Klimt - Outro pintor do meu TOP 10. Pena, desperdiçado num filme que não honra. Se se pretendia alegórico ao invés de factual, falha. E se foi o inverso pior ainda. Sua direção de arte não chega nem perto do art nouveau de Klimt. Nem a Saffron Burrows salva. Não reluz, não pulsa e principalmente não apaixona como os quadros do austríaco. Vale mais por lembrar um artista imperdível. Assista, quem sabe você não vê diferentemente.

Moça com o Brinco de Pérola - A Scarlett Johansson caladinha na foto é uma pintura, mas quando resolve atuar...aiaiai. Talvez em nenhuma sociedade a pintura tenha alcançado tamanho poder de atração, penetração e acumulação quanto na Holanda do século XVII (lembra a relação de nossa sociedade contemporânea para com o cinema). E não é exagerado admitir a República Holandesa das Províncias Unidas como a sociedade mais diversificada culturalmente e progressista do século XVII. E Vermeer foi um dos artistas mais interessantes dessa época. No filme de Peter Webber para além da história da gata borralheira me interessa a tensão sexual no ar. Vemeer ferve por Griet mas está amarrado às convenções (e quem não está), resta pintar na tela já que não pode ter sua musa no meio dos lençóis. 


Tarantino entrou no mercado de especulação artística por recomendação de seu empresário. 

Minha Avó adora quadro com paisagens bem bonitas e flores vistosas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário