26 de julho de 2010

A Grande Arte da Coréia do Sul

Em certa feita, quando o filme “As Invasões Bárbaras” se encaminha para o final, os amigos de Remy argumentam como a inteligência é um acontecimento que, de tempos em tempos, ocorre em certos grupos de indivíduos que em conjunto promovem a humanidade a passos largos. A primeira década do século XXI assistiu um grupo de realizadores cinematográficos sul-coreanos demonstrarem extrema inteligência ao comporem suas películas. Sem precisar fundar qualquer movimento, o dogma desses realizadores foi única e exclusivamente fazer um bom cinema (bom não, bom demais). Os cineastas sul-coreanos entenderam que correm contra o relógio. Só duas horas para dar do bom e do melhor para seus espectadores, e isso sobra em seus filmes. Fazem isso sem o rei na barriga, e sabem que os filmes não vão mudar o mundo, mas podem inspirar olhares novos...Portanto, em cenários na sua maioria urbanos, sua crítica ao novo estado sul-coreano esta em mostrarem os agentes estatais como pessoas abobadas, suspeitas e não raro desengonçados ao cumprirem seu papel.
Esses cineastas têm uma idéia muito clara, mesmo que não refletida, sobre o bom uso da sincronia audiovisual. Não raro, suas câmeras nos embebedam por imagens e mais imagens bem construidas. Para tanto capricham nas citações e homenagens, mas não param ai, sobem um degrau e apresentam um cinema forte (muitas vezes chocante), extremamente ágil (sem cair na videoclipagem) e inquietante (são bem raros os filmes que não te deixarão um comichão na nuca quando subirem os créditos).
Vamos então a uma lista de introdução de filmes imprescindíveis:  

O Caçador – Cada um por si e é bom aprender: a vida é cruel. Uma caçada cruel e sem redenções numa cidade que abandona seus habitantes a monstros.  Becos escuros, o mais fraco sendo varrido pelo mais forte e quem deveria nos proteger não sabe para quem apontar a arma. Joong-ho Eom perceberá isso quando for tarde demais...

Casa Vazia – Um belíssimo conto de fadas urbano. Uma história sobre resgate, sobre um amor que vem para te salvar. Um fantasma mudo deitou em sua cama. O vazio dos quartos, do coração. E, quem vem para habitar esses cômodos?

Old Boy – Sófocles ficaria orgulhoso. A tragédia da tragédia. A violência como meio; como redenção para os pecados; como fim em si. Os personagens são retirados de sua rotina para serem endurecidos por situações limítrofes proporcionadas por um impiedoso DEUS EX MACHINA. Serão esculpidos pela tragédia para encontrar ao fim o descanso... e só.  (Claro, quem assistiu Old Boy vai acabar assistindo Senhor Vingança e Lady Vingança)

O Hospedeiro – E se o monstro fosse o menor dos problemas? As mentiras e os ataques em nome de bandeiras prontos a destroçar quem estiver na frente. Pelo lucro de nações criam-se e deixam-se criar monstros, e não importa quem ele for atacar. No meio disso uma família... 

Memórias de um assassino – Aconteceu, não muito perto de sua casa, mas aconteceu. Novamente, quem vai nos salvar? Nossos protetores, coitados, perdidos num labirinto sem fim. E nós, espectadores amarrados, testemunhas da derrocada, desesperados por alguma...justiça, va lá: justiça.

Mother, a busca pela verdade – A ignorância é uma benção. Essa mãe em busca da verdade vai aprender que dói demais obtê-la.  Verdade? Olhe de novo, de novo. E agora? Você vê a mesma coisa? Nem essa mãe. Mas fazer o que se a maternidade sufoca e conduz até as ultimas conseqüências. Ela padeceu, e nem foi no paraíso. Ok, dobre essas memórias doloridas com cuidado e ponha lá bem fundo no armário, talvez ninguém mais encontre...

O Tarantino tem polução noturna por conta do cinema sul-coreano.

Minha Avó acha a violência o sinal do fim dos tempos (talvez seja...).

21 de julho de 2010

Um Big Bang


Um Big Bang.


Denso, quente, explosivo e expansivo, é este o universo de The Big Bang Theory, constituído por cinco elementos fundamentais: quatro rapazes, cientistas geniais, e uma garota.
Se o cenário resulta de limitações orçamentárias, os diálogos resultam de milênios de estudos e pesquisas científicas. As câmeras permanecem pasmas, estáticas, enquanto os diálogos explodem no interior de um pequeno apartamento ou na pequena lavanderia comunitária.
Tudo em 20 minutos... Tudo!
Se as produções Cult habitualmente citam os ícones da alta cultura dos clássicos literários, da filosofia, das artes, etc., The Big Bang Theory evoca o mundo incompreendido da alta ciência astrofísica, mas não a guisa dos Blockbuster.
O embate entre fé e ciência agora está ultrapassado. Os complexos teoremas, axiomas e postulados científicos pululam nas falas dos físicos e nerds Leonard Hofstadter, Sheldon Cooper, Rajesh Koothrappali e Howard Wolowitz em citações muito específicas de pesquisas ligadas à física quântica e à astronomia, numa dinâmica interação com a garçonete Penny, “profundamente” atualizada em cultura pop, apenas. E dessa relação, emerge o embate entre ciência e amor.
Para isso, alguns estigmas e estereótipos do cinema são sepultados. Se os nerds também amam, eles não amam como amam os nerds, e sim como “homo amantis” comuns. Sheldon é o único que não ama. De fato Sheldon às vezes se apresenta como uma evolução do homo sapiens sapiens. Sheldon não ama, não é feliz e nem triste. Leonard, Rajesh, Howard e Penny amam e não são felizes.
Aos dilemas da ciência, por mais complexos que sejam, subsiste a crença de que em algum momento da história da humanidade haverá resolução. Em contrapartida, os “dilemas do amor” são um verdadeiro Big Bang: num momento de nossas vidas uma explosão de hormônios inicia nossa marcha para o caos.
Essa temática pode parecer clichê, porém, quando The Big Bang Theory apela para os roteiros clichês das comédias românticas, a série conhece alguns declínios. É difícil nos darmos conta de que compreender física quântica pode até ser fácil ao passo que compreender os “rumos do amor” pode ser impossível. Nossos quatro cientistas geniais conhecem com toda destreza os guetos da física, mas a nossa garçonete, cujas faculdades cognitivas superiores são inferiores a qualquer média, concebe que não há saída nos becos amorosos.
Com ou sem Big Bang, o Universo continua sua expansão rumo aos caos. Se preferir, rumo ao desconhecido. Talvez a grande fórmula do The Big Bang Theory seja o binômio “física quântica para leigos” versus “amor para entendidos”: o leigo poderá alcançar algum conhecimento profundo sobre a alta cultura das ciências da natureza, e os entendidos poderão alcançar a noção de que nunca devem tentar explicar o amor, apenas vivê-lo enquanto durar.
O fim já se sabe: nunca se sabe. O caos pode até ser uma certeza, mas não deve ser uma expectativa. Se The Big Bang Theory prosseguir esquivando-se de explicar o amor através de roteiros básicos continuará top. Mas se Sheldon se apaixonar por algo semelhante à sua natureza, então desligarei a TV, melhor dizendo, não farei mais downloads.

Do PhD em FMC Wesley Soares.

1 de julho de 2010



Carnivàle: Fantástico Realismo
Aridez no chão e no coração. Sem o pão, quem lhe estende a mão é irmão. Caminhamos no deserto em meio a profetas e milagres. Quando ninguém sonha com filosofias as coisas surgem entre o céu e a terra. Onde mais poderia surgir a salvação de anjos e demônios senão num tempo seco, numa terra rude e de horizontes inacabáveis. No fim, os bons estão na caravana do circo de aberrações e protegem a flor dos milênios. 
Bem, nem todos, há os que são encantados por sermões divinos e não prevêem o tiro que levarão pelas costas. Como ser um messias impecável na terra em que se vendem filhas e netos por dinheiro ou por qualquer coisa que valha. Um império, que romperia os céus em 30 anos, assentado em ossos de povos de toda a terra. Uma nação que teria em suas mãos todos os selos do apocalipse para queimá-los em um flamejante e colossal cogumelo. No deserto encontramos todo o mal que se irá combater no velho continente. A caminhada para o oeste, sempre o oeste. Uma narrativa sobre a fundação de uma nação, mais uma (muito ao gosto do imaginário estadunidense). Em suma, o mito de fundação precisa ser revisitado numa nação que esta a beira de se despedaçar.
Eu adorei o realismo fantástico dessa série, bem como a justeza da proposta: a luta entre o bem e o mal, mesmo que esses lados da batalha se entrecruzem ao longo da peleja. Não se deixe assustar pela total antipatia do casal de protagonistas, os coadjuvantes vão te compensar com belíssimas histórias. Essa série lembra e muito as séries da Vertigo (o que é um baita elogio). E o que dizer das fantásticas pregações do Brother Justin (de dar inveja à maioria absoluta dos “apóstolos” e dos ditos “bispos”). 
A cartela de cores escolhidas nos leva imediatamente a lembrar das sépias e fotos antigas guardadas em fundos de armários. A câmera sempre se afasta para mostrar o ermo, o deserto e o vazio que cerca e oprime a todos na Grande depressão. Claro que a série poderia dar muito mais do que isso. 
Em somente duas temporadas os roteiristas demonstraram total domínio da narrativa e deixaram um gosto na boca de quem assistiu de que muito mais viria pela frente. Pena, acabou antes da hora, faltou. Mas deixou grandes imagens aterradoras e por vezes sublimes em nossa retina. Uma série sem pressa de caminhar, de construir concreta e progressivamente as situações e os personagens em qual irá se assentar. Diferente do que se diz não é uma série difícil, exige paciência, mas recompensa e muito quem a acompanha com afinco.


Tarantino assistiu e achou legal...


Minha Avó dormiu no segundo capítulo...