18 de setembro de 2013

Os homens que não Amavam as Mulheres

Cut Into Pieces by Trent Reznor and Atticus Ross on Grooveshark
E os obeliscos tomaram o lugar de cavernas. E o matriarcado deu lugar ao feminicídio. O maior deles, que durou séculos patrocinado pelas grandes religiões, e em alguns lugares do mundo ainda persiste tal patrocínio, colocando as mulheres na postura que lhes parecia adequada: caladas, serviçais e, de preferência, em fogueiras ou espancadas. Claro, admitem raramente uma ou outra mulher em suas fileiras de heroínas, mas nunca elencam suas ideias e posturas como diretrizes. 

O masculino ascendeu, a capacidade de gestar perdeu em importância para quem sabia bramir a espada. E, de um ponto de vista histórico, só há pouquíssimo tempo nos demos conta da agressão endêmica infligida ao gênero xx. E caminhamos nessa vergonhosa e nebulosa guerra dos sexos em que todos saem perdendo.

Nossa seleção pinçou títulos que mostram como a sétima arte vê a reação de mulheres que sofrem agressões horríveis (quase como regra, sexual) de homens e resolvem se vingar da forma mais crua e cabal (a emasculação é sempre uma opção). Sem metafísica, sem ponderações, a pura e simples vingança violenta de vênus contra marte. 


Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres - Pois é, infringi minha regra de ler o livro após ter visto o filme e quebrei a cara. Ô livro ruim, ô filme bom... Resultado direto do talento de seus respectivos realizadores Steig Larsson e David Fincher. O filme tem uma atmosfera espetacular: fria, sombria, angustiante. Há algo de podre no reino sueco. Nos países do norte da Europa a ética protestante é um grilhão e não basta ser honesto, tem que se parecer honesto. E o que a neve esconde atrás de uma capa de lisura e direitos humanos ao derreter temos um quadro de sordidez e desgraças comparáveis a um inferno. A trilha sonora é um espetáculo. As tintas ultra-niilista que Rooney Mara imprime a grande heroína das mulheres violentadas, a incrível e odiosa Lisbeth Salander, é hipnotizante. Para ver o trailer clique aqui


Sedução e Vingança - Abel Ferrara é um desses diretores que se escondem e demoramos a tomar gosto, mas quando a paixão acontece é fulminante. Ele merece um post só dele. Numa Nova York pré-Giuliani, ainda imunda e violênta, a musa junkie Zoë Lund sofre o abuso que irá transtorná-la e transformá-la na freirinha mais fatale da big appel. Thana é a pulsão de morte embalada em prêt-à-porter .45. A cidade e os abusadores engoliram sua sanidade. Agora, mexeu com ela, leva chumbo malandro. Atenção para cena maravilhosa da festa a fantasia. Para ver inteirinho clique aqui.


Menina Má.com - Que filme, hein!? A inversão da inversão do conto dos irmãos Grimm cheio dos maiores terrores de nossos tempos: a pedofilia e o abuso de mulheres. O filme é carregado de closes, expediente de que não sou muito fã, porém as atuações de Patrick Wilson e da pequena e monstruosa Ellen Page são recompensadoras. A cena da tortura fara os homens, e só eles, suarem frio. Veja o trailer aqui.


A Vingança de Jennifer - Menina bonitinha da cidade grande vai morar em casa isolada no interiorzão e um grupo de estupradores asquerosos se dão conta de sua presença. Está montado o cenário para o terror. Sim, é camp, é sujo, atuações meio toscas e sangue cenográfico jorra. Resumindo, tem que ver... Se quiser, tem legendado clicando aqui.


Thriller, A Cruel Picture: Uma fria vingança - Christina Lindberg é muito musa da década de 70. Garota lindinha é enganada, drogada e prostituída. Sua vingança será maligna. Há muitas cenas de violência que remetem a Peckinpah por seu efeito de lentidão, mas sem a precisão e beleza do velho diretor. Do abuso que sofre na infância a desgraça que se abate sobre sua vida adulta, a vingança é seu único caminho e o preto se torna a única cor a lhe cobrir o corpo. Temos um filme de reação sumária contra abusos e um exploitation legítimo com cenas extremamente ousadas para época. Se quiser assistir esse filmão NSFW clique aqui.


A Pele que Habito - Um doutor maluco e a sua criatura revoltosa. A "versão" de Frankenstein  do Almodovar só poderia ser surtada e confundir o papel de gêneros é sua especialidade, bem como a confusão de gêneros  filmográficos: estamos no limiar do terror com os filmes de vingança e o diretor de La Mancha firma sua defesa do feminino (e dos transgêneros). Lâminas, falos, revelações finais desconcertantes, cirurgias plásticas e o amor desbragado de novelas. Diz ai, você vai olha da mesma forma para um homem vestido de onça depois desse filme? Fiqeu com o trailer  clicando aqui.


Taranta é o arquiteto da obra mais pop do gênero...você sabe de que estou falando: "It was not my intention to do this in front of you. For that I'm sorry. But you can take my word for it, your mother had it comin'. When you grow up, if you feel raw about it, I'll be waiting".

Minha avó se sentiu agredida pelo meu avô quando este raspou o bigode.
Resultado: o cara ficou um mês sem bife e recebendo um tratamento de silêncio monástico.
Ela se sentiu vingada.

25 de janeiro de 2013

Os Melhores de 2012

Die Götterdämmerung (Twilight of the Gods), opera, WWV 86d: Siegfried's Death and Funeral March by Wagner on Grooveshark
Quais filmes, que por qualquer motivo, perduraram em sua mente durante os últimos 12 meses? Quais te divertiram, assustaram, emocionaram, te fizeram questionar concepções antigas; quais nunca iram sumir de sua memória?
Desejo profundamente que o ano que passou tenha deixado um rastro de boas impressões cinematográficas em sua consciência e que não se tenha deixado levar pelo discurso preguiçoso de que tudo se repete e não tem mais importância. Não se engane, os obsoletos raramente sabem de sua condição e só sabem reafirmar discursos passados.
Sem mais delongas, vamos a minha seleção de filmes de 2012.

A Separação - Do Irã vem o filme mais tenso do ano. Sem heróis ou vilões um drama corriqueiro de uma família mediana se transforma num caldeirão de possibilidades nefastas dada a sociedade e mentalidade em que se gesta a trama. Não aceito os que acusam o diretor de manipular por esconder parte da estória de uma personagem chave, mas sem essa  omissão não há tensão. O triste é pensar na situação das famílias em sociedades intolerantes (seja de Teerã ao ricões do sul estadunidense) tende a ficar cada vez mais aterradora e sem um minuto de alívio. Fique com o trailer.

007 Operação Skyfall - Para mim, facilmente o melhor blockbuster do ano. James Bond sempre foi propaganda imperialista-machista embalada em música pop e mise-en-scene kitsch e, apesar do que a velharada diga a piscadela dada ao público não salvava a série de seus deméritos. A pretensão sombria e viril impressa na última trilogia Bond veio bem a calhar e engrandeceu o personagem no imaginário coletivo (pelo menos no imaginário de quem já tinha se enchido das forçadas da série antiga). E o que o diretor Sam Mendes faz nesse filme é ainda mais pretensioso e acertado. A melhor tradução do monomito de Campell que figurou as telonas num ano cheio de super heróis (mas o 007 está no mesmo patamar desses heróis não é mesmo). Apesar de Mendes jogar água no chopp de quem acreditava na teoria dos múltiplos bonds (eu sou um deles), a película delimitou origem e catapultou aos céus as possibilidades narrativas do personagem. Além de tudo isso, temos o melhor vilão da série que representa tudo que James Bond não é (feio, hi-tech, gay e covarde). Fique com o trailer.

Os Infratores - O homem solitário armado e o dinheiro (entenda-se business) são as molas propulsoras da narrativa mítica-histórica estadunidense (de sua fundação à contemporaneidade). Não a toa John Hillcoat (um de meus diretores preferidos) intercruza o filmes de gangster com o faroeste. Se engana quem achar que o condado de Franklin é um cenário mais abrasivo que em outros filmes do diretor (uma prisão de segurança máxima, o outback, o pós apocalipse e etc.). Aqui, também, somente os homens dispostos a perder e tirar sangue tem o direito de viver. A brutalidade extrema convive com tranquilidade dos cultos protestantes. Aliás, a cena do lava pés na igreja é deslumbrante. sem dúvida é o filme mais palatável de Hillcoat, porém ainda é sem par ao filmar a feiura e crueza de atos violentíssimos. Fique com o trailer.

A Bruxa da Guerra - Num canto pobre do mundo esquecido por Deus e principalmente pelos homens temos um inferno que faria os nove círculos de Dante parecerem a Disneylândia. Sem o talento de um Elem Klimov para construir sequencias avassaladoras em seu filme Vá e Veja, Kim Nguyen tem talento para filmar mazelas.  Pobreza extrema, aks-47 e balas em abundância, estupro de crianças, drogas, mutilações  fantasmas assustadores, solidão e tudo desembocando na mais pálida e dolorida desesperança. A estória da menina Komona é a pior que se poderia ouvir: logo após uma milícia tomar seu vilarejo ela tem de escolher entre matar seus pais a tiros ou ver um guerrilheiro estraçalhá-los a golpes de machete. Logo ela irá aprender que no lugar de seus pais ela tem seu rifle e os fantasma que a protegem e assombram. Qualquer alívio que vier em seu caminho será subjugado por dores maiores. O horror, o horror é continuo. E pensar que nenhuma ficção chegue nem perto dos horrores da vida real; alguém se lembra do Kony. Fique com o trailer.

2 Coelhos - O filme brasileiro escolhido veio por motivos justos: o filme se passa em SP; tem político se ferrando; o simples motivo de ser algo completamente diverso do que se faz no cenário nacional já vale o voto. É um filme divertidíssimo  apesar de confuso pelas jump cuts em excesso. Eu quero ver sempre qualquer espasmo de criatividade embrulhado em referências pop e se for cinema de gênero no Brasil (uma raridade), eu tô dentro. E na terra em que todos levam vantagem que tal se dar bem em cima de quem sempre se da bem? Demorou, né!? Edgar está completamente enrolado, então quando uma chance de mudar tudo aparecer (mesmo que ele tenha de pagar um preço), ele agarra com todas as forças. Quase escolhi a Febre do Rato (e não só pela nudez celestial de Nanda Costa), mas eu queria ter visto mais filmes nacionais esse ano...enfim... Assista esse ótimo filme aqui.

Minhas menções honrosas vão para: Holy Motors, Os Vingadores, Millennium - Os Homens que não Amavam as Mulheres, A Febre do Rato e A Invenção de Hugo Cabret.

Agora, as três melhores novidades das antigas que tive o prazer de descobrir esse ano.

Betty Blue - A loucura no amor e a loucura em se amar. Da mesma forma inexplicável e irremediável que Zorg se apaixona pela doidinha Betty, a película de Jean-Jacques Beineix roubou meu coração com todas suas belezas e defeitos. Houve uma geração de cineastas franceses da década de 80, da qual Beineix fez parte, que apesar de inconsistências tinham uma construção imagética linda. Certos momentos e quadros desse filme irão de acompanhar para sempre e se tornaram referência de romance. Zorg e Betty se amam muito e passam pelo que os grandes amores passam: de momentos engraçados, juras de amor, o vício no corpo do amado, terríveis brigas e pedidos de perdão. O mundo é muito pequeno para um casal assim. A gracinha Béatrice Dalle transborda sensualidade e inocência em sua nudez quase renascentista de ancas e seios naturais. Assista já esse filme aqui e aqui (em francês) e lembre que é NSFW.

Boogie Nights, Prazer Sem Limites - É no mínimo genial um filme que trata, principalmente, sobre a perda da inocência ter como ambientação a indústria porno. Mais  que isso, trata da brutal mudança comportamental que rolou dos loucos e libertários anos 70 para os restritivos e melancólicos anos 80. Do glam rock a AIDS; das salas de cinema ao VHS; dos Hell's Angels a Gordon Gekko. Eddie Adams (futuro Dirk Diggler) é um adolescente sem perspectiva, mas com um dom. O conflito com sua mãe irascível, um dos conflitos mais melancólicos da fita, o impulsiona a cair na toca do coelho e o mundo de carros, festa e sexo é um sonho ao alcance das mãos. A ambientação e principalmente o elenco de coadjuvantes com seus dramas e conflitos próprios fazem do trabalho de Paul Thomas Anderson algo primoroso. Fique com o trailer aqui

A Última Sessão de Cinema - Eta, vida besta, meu Deus! Num preto-e-branco que não remete a nostalgia e sim a decadência, Peter Bogdanovich gestou um dos melhores filmes da melhor geração de cineastas na História do cinema estadunidense. A melancolia enche a tela quando acompanhamos as desventuras Sonny e Duane numa cidadezinha perdida no Texas. Esses baby-boomers estão entre um passado glorioso (encarnado na figura Sam the Lion)  não vivido que se esvai na poeira, e um futuro de liberdade comportamental que ainda é uma novidade desajeitada. A vida banal e sufocante, os relacionamentos truncados pelos silêncios, os adultos mais desesperançados que os jovens, as ruas vazias, a guerra que se aproxima, a explosão atômica que seria o rock'n'roll e o cineminha caindo aos pedaços. O fim de uma geração e a inevitabilidade da mudança. Imperdível. Veja o trailer aqui.