22 de outubro de 2010

Visões de um futuro imperfeito parte I

É interessante essa tendência a autodepreciação em relação ao futuro que aguarda a humanidade. De Orwell a Huxley, dos clássicos futuristas talvez só Asimov enxergue benesses para o dia de amanhã. Coitado do Thomas Moore, pelo menos no plano da ficção as distopias arrasaram sua ilhazinha de otimismo. Esse tipo de pensamento artístico serve de alerta de choque para que se perceba que a simples possibilidade de algo semelhante ao que esta na tela realmente venha a ocorrer é absurdo e horripilante. Faz muito sentido, a humanidade criou um potencial para destruição infinitamente maior que o de construção, na prática o medo de que o pior aconteça é sempre superior. Das páginas da Literatura para a película, esse belíssimo e instigante gênero cinematográfico é sempre uma página em branco, as possibilidades são inúmeras (de nuances do terror ao romance tudo pode ser aplicado no campo do futurismo). E não me venha com Laranja Mecânica, Blade Runner, Matrix ou 1984 que são au concour, se não viu, veja hoje um na sequência do outro. Quanto a Alphaville, relaxe que é mais chato que Segunda de manhã.
Vamos apreciar fitas que dão suas versões para o momento em que o mundo desabou por culpa das falhas inerentes de nossa raça e vamos torcer para que nossa geração não testemunhe a beira do abismo. Não vamos nos ater pura e simplesmente a ficções cientificas, mas as visões de futuro que no geral são implacáveis e passam pelos caminhos do drama, noir e até a comédia.
O futuro nos assola, e como o futuro de todos está sempre intimamente ligado a inevitável morte não é de se estranhar a visão de que o mundo como conhecemos irá acabar. Toda nossa seleção é imperdível, para ontem, veja antes que seja tarde, tudo pode acabar amanhã.

Metrópolis – A obra mater do Sci-fi. É incrível notar que tudo feito no Expressionismo Alemão impressiona até hoje e vai continuar assim a perder de vista. As imagens desse filme tatuam na sua retina. Tudo é grandioso, fatídico.

Terra Tranquila – Uma pérola do cinema que merece ser redescoberta. Fruto de um período da inventividade que tomou a produção cinematográfica da Oceania nos anos 70 e 80. Se fosse um filme estadunidense seria um clássico. Quem nunca sonhou que estava sozinho no mundo? E se fosse só você, o que iria se tornar? Rei? O bobo? Deus??? Ou um suicida? Talvez ter só sua própria companhia seja o inferno na terra. Um dia abriram a caixa de Pandora e todos os homens sumiram...sumiram? Fantasmas rondam a Terra enquanto o Sol se revolta. A influência desse filme vai de Extermínio à Evangelion. Um filmaço.

Brazil – Uma crítica tresloucada ao capitalismo mórbido? A eficiência acima de tudo? A burocracia? Ao Estado absoluto? A xenofobia? Aos atados costumes de classe ingleses? A paranóia terrorista? A absurda busca desenfreada por beleza? Pode até parecer familiar, mas é pura ficção distópica. Meu filme preferido de Terry Gilliam. Inteligentíssimo ao dosar na medida certa humor (em toda ironia inglesa) e a crítica social. Visualmente, ainda, embasbacante.

Hardware – Cult-trash total. Quando Alien encontra Exterminador do Futuro e Mad Max. Bem, só por ter no elenco Iggy Pop e Lemmy já torna obrigatória a espiada. Não falta um toque de transcendentalismo, personagens surtados e esquisitões, uma pitada de nudez feminina e um terrorzinho bem inho. Um filme de cores e enredo quente.

Delicatessen – Visualmente impressionante (atente aos créditos iniciais, uma obra de arte por si só). O tom de fabula infantil (não deixe seu filho pequeno assistir) torna a película viciante dos primeiros minutos. Jean-Pierre Jeunet é um pintor-diretor de mão cheia, direção de arte impecável. No fim das contas, ou no fim do mundo, descobrimos que mesmo em meio a devastação e selvageria ainda resta tempo e pessoas capazes de dar ternura e alívio. Nem tudo se desmancha no ar.

Ghost in the Shell / Ghost in the Shell Innocence – A raça humana precisa de upgrades constantes. Vai o cérebro vem a HD, tirem corações e instalem coolers e acabe de vez o contato humano para que venham os dados via wireless. A máquina não venceu, nos tornamos simbiontes, somos indissociáveis. E se seu espírito pudesse ser enviado pela rede? E se sua vida pudesse terminar com um toque no mouse? E se sua capacidade de aprendizagem estivesse limitada à velocidade de sua conexão? 


As questões que esse par de filmes levantam cabem em uma tese de mestrado. No meio disso tudo uma trama noir das mais empolgantes e visualmente bem cuidados que eu já vi em uma animação. É, Anime é coisa séria. Nesse caso seriíssima.

Código 46 – Só pela atuação dos protagonistas já faz do filme algo imperdível. Sem falar na engenhosidade de conceber um planeta futuro realmente plausível (poliglota, metropolizado, excludente, distante e frio, ultra vigiado e insuportavelmente controlado) em vez de um mundo medieval com carros que voam. Sei que vai parecer mentira depois que assistires, mas o orçamento era curto e tudo foi gravado em lugares que já existiam no ano da gravação, 2006. Há algo dentro de nós que não nos deixa robotizar para sempre. Algo que queima e pede companhia. Algo que atrapalha a máquina e perturba o andamento do pré-programado. Algo que deve ser impedido de prosseguir...

Filhos da Esperança – Se você tivesse de ver três filmes na vida esse deveria ser um deles. Sob qualquer aspecto os êxitos do filme são máximos: todos os quesitos técnicos, as atuações e o roteiro com sua força bíblica-homérica-mitológica. E se a esperança de futuro de toda a humanidade fosse arrasada na base, a procriação? Tudo, tudo iria desmoronar. Num mundo que não se ouve mais os choros e gritinhos das crianças os tiros e explosões são ensurdecedores.

A Estrada – Uma bela transcrição de meu romance preferido da década. A visão mais pessimista, crua e sem concessões sobre o mal que pode assolar a humanidade em seu futuro. Tudo seco, destruído e cinza. No meio disso um pai, seu filhinho e um revolver com duas balas. Uma estória colossalmente simples e forte.

Tarantino acha que filme futurista não é a dele. Mas se rolar ele colocaria Samuel L. Jackson como um traficante de emoções sem corpo e muito boca suja. 

Para minha Avó o futuro a Deus pertence.

15 de outubro de 2010

A boa e velha piada

Como bem disse Marcelo Madureira: “O humor é uma bobagem”. Sinceramente, para mim, sem o humor a vida seria uma bobagem. 
E para nós contemporâneos, cada vez mais esfolados pelo humor extremo (e não poucas vezes o humor de extremo mau gosto e burro), peças de humor cinematográfico que poderiam parecer empoeiradas e dignas de um museu sem graça se mostram necessárias, causadoras de sonoras gargalhadas e de uma atualidade surpreendente.
Vamos conhecer (para quem ainda não está familiarizado) os verdadeiros pais da piada. A sensação de já ter visto isso antes não é de toda estranha, afinal esses mestres foram emulados das mais diversas maneiras e nas mais diversas mídias (de desenhos animados aos videogames). Mas vamos parar por aqui, explicar a piada é péssimo. Aos filmes.

Em Busca do Ouro – Comer o sapato velho cozido, milhares de vezes imitado. E a cena dos pãezinhos!? Arte em estado bruto. Chaplin é um poeta da fome e da desigualdade, sua arte é a comédia dramática. Agradabilíssimo de ver, mas no final fica aquele gosto amargo.


A General / Sherlock Jr. – Buster Keaton era o cara. Disputava a vaga com Chaplin de humorista de sua geração, para a posteridade perdeu, mas levou o posto de enorme comediante. Sua arte é a comédia aventura e para tanto criou cenas impressionantes e perigosas (me perdoem os fãs de Harold Lloyd, mas sou mais o Keaton). Como um reducionismo de vez em quando não diminui grande obras A General é no fim das contas um incrível game de plataforma (Super Mario que o diga) que na fase final tem de salvar a mocinha. Sem falar de como a Guerra de Secessão é representada de maneira originalíssima para época da gravação. 

E o Sherlock Jr tem umas sacadas impressionantes como quando ele foge do covil dos bandidos. E o final da película te arremata estampando um sorriso na sua cara. Não dá para deixar de pensar em como um Roberto Begnini bebeu e muito dessa fonte, até o cabelinho vem daqui...



Uma Noite na Ópera – Um dos meus filmes de cabeceira, melhor que Lexotan. Os irmãos Marx são a síntese da transição do cinema mudo para o filme falado (vide o personagem de Harpo em contraste com Groucho). Eles sacaram com genialidade que não era mais possível um humor apenas físico. Groucho, a metralhadora de ironias e gags, é o pai artístico de Woody Allen e, por que não, o avô do Dr. House. A cena da cabine é antológica e ainda impressiona. Para ver a cada dois anos.

Quanto Mais Quente Melhor – Um minuto de silêncio para Marilyn Monroe passar... Já vimos um zilhão de números de homens travestidos de mulher para fazer graça, mas a dupla Jack Lemmon (meu preferido) e Tony Curtis é imbatível. Sim sim, o final é genial, eu sei. 


O Terror das Mulheres – Aquela velha história, adorado na França, esquecido em seu país. O pai artítico de Jim Carrey fez nesse filme uma trama encantadora e divertidíssima. As cenas da mãe de Herbert e da cama que afunda são ótimas. Seu trabalho de diretor ao filmar essa encantadora casa de bonecas gigante é muitas vezes primoroso, bem como as cores do Technicolor. O tempo passa voando ao ver o filme, o que é bom dura pouco.

Um Convidado bem Trapalhão – O pai dos Monty Pythons é um gênio. Seu sotaque indiano é ótimo. São tantas gags e piadas imperdíveis, mas para mim a cena do papel higiênico é histórica. Seu trapalhão é absolutamente encantador e o filme tem ainda todo o clima swinging sixties que não te deixa parar de assistir. Vai dizer que você não queria estar nessa festança.


Tarantino se considera um piadista de mão cheia. E considera o Hitler de seu Bastardos o cara mais engraçado da Segunda Guerra. 

Minha Vó ri até a barriga doer quando vê o Jerry Lewis fazendo careta.

6 de outubro de 2010

Em defesa do Camp

Num período cenozóico (quando existia a TV Manchete, quando mandávamos cartas, quando aparecia mulher pelada e violência na sessão da tarde, quando aprendíamos as primeiras operações matemáticas na escola com um Ábaco) essa simpática série passava depois da novela das oito às terças-feiras na TV Globo. Nesse período de hominídeos em que deuses andavam entre nós não havia TV a cabo ou internet, portanto, só restava a chance única de assistir preciosidades nos canais abertos. Talvez, por isso, os programas  se tornavam tão memoráveis.
Claro, há de se levar sempre em conta que na ultima década a HBO criou um padrão de seriedade, qualidade e, porque não, de atrevimento e inovação no tratamento dado aos seriados com LOST e 24 Horas vindo a reboque e espalhando esse paradigma para quase todos os outros seriados da TV estadunidense. Para espectadores encubados nesse padrão, produtos antigos como The Flash parecem inalcançáveis (com perdão do trocadilho) e insuportavelmente datados. Estão lá as atuações canastronas, o figurino capaz de envergonhar qualquer um com senso estético, os argumentos manjados, as risadas em uníssono no final do capítulo e os vilões descerebrados. Mas há de se tratar essas peças com maior carinho e paciência.


Tirando o fato de se tratar de um dos personagens mais interessantes em poderes e design de uniforme da História dos quadrinhos. Nas mãos de Gardner Fox, The Flash tirou os quadrinhos da cultura pulp e expandiu suas fronteiras ao infinito com a ficção cientifica.  Essa característica é representada belamente no seriado com viagens temporais, realidades alternativas, laboratórios kitsch de cientistas loucos e andróides. O seriado The Flash vem de uma tradição camp que remonta aos seriados de aventura dos anos 40 e 50 como Capitão Meia-Noite, Superman até o eterno Batman de Adam West nos anos 60. Nesse sentido, é um seriado que além de prestar homenagem a um gênero reinventa-o para sua contemporaneidade. E por falar em Batman, o filme do Tim Burton tinha acabado de implodir bilheterias por todo o mundo e os produtos da DC Comics se investiram da aura de Gotham City. Não a toa, a Central City defendida por Barry Allen tem os mesmos becos escuros e neons da cidade de Bruce Wayne. Já que estamos no campo das citações não podemos deixar de lembrá-las: vão de Laranja Mecânica (quando os punks espancam o velhinho) à Apocalypse Now; de O Sombra à Exterminador do Futuro.


Um prato cheio para quem gosta de cultura pop. Um prato fast food  cheio de conservantes, mas cheio e delicioso.



Tarantino adoraria dirigir um episódio em que Flash tem uma perna arrancada com um facão...


Minha Avó nunca ficava acordada para assistir a série. Perdeu...