5 de agosto de 2011

Tiros no Deserto Parte II



"O inferno dos vivos não é algo que será: se existe um, é o que já está aqui, o inferno em que vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Há duas maneiras de não sofrê-lo. A primeira é fácil para muitos: aceitar o inferno e se tornar parte dele a ponto de não conseguir mais vê-lo. A segunda é arriscada e exige vigilância e preocupação constantes: procurar e saber reconhecer quem e o quê, no meio do inferno, não são inferno, e fazê-los durar, dar-lhes espaço".
Italo Calvino, A Cidade Invisível


O Oeste não é um ponto cardeal. É um lugar futuro, em construção, inventado e disseminado como Eldorado, mesmo que na realidade seja um inferno na terra. O Oeste é um lugar longínquo que necessita ser conquistado, quem já habita o lugar são sempre selvagens necessitando e ansiando pelas benesses que temos a lhes oferecer. O Oeste é a fronteira a ser expandida. O Oeste tem recursos naturais abundantes a serem explorados: terras, escravos, ouro, especiarias, animais, petróleo. No Oeste a comunicação é feita com armas. 
O Oeste não é estadunidense, O Velho Oeste é a colonização: é o Pará; é a Bretanha de Adriano; é Potosí; é o Outback; são as Guerra Médicas; é o Norte da Africa. 
O Cinema, e antes dele a literatura, estadunidense criaram o Velho Oeste, ou, pelo menos, cimentaram um folclore, uma visão um tanto quanto míope desse período curto porém marcante na História. Nostalgia distorcendo o passado. Boa parte dessa produção refletia o espírito patriótico do pós-guerra, com algumas ressalvas de certas obras de John Ford entre outros.  
Logo que os Europeus começaram a refletir sobre o gênero e produzir filmes sombrios, cínicos e artisticamente muito ambiciosos (principalmente os italianos) a geração estadunidense do fim dos anos 60 em diante seguiram esse caminho. Vamos a mais uma seleção de bang-bangs  posteriores ao período clássico do gênero.


To be continued...

Os Imperdoáveis - Esse está na minha seleção pessoal de melhores filmes de todos os tempos. Bill Munny parece ser um personagem sobrevivente e aposentado de o Meridiano de Sangue de Cormac McCarthy. De um passado violentíssimo e inescapável sabemos que Munny é sanguinário, mas foi domesticado por uma garota e pela vida familiar que se seguiu (como dita o letreiro inicial que tanto irrita os críticos irritadiços). É daqueles filmes que cada vez que você assiste melhor ele fica. Lutar constantemente com o diabo que te habita. Munny se endireitou; matar era passado; matar é o que ele faz como ninguém. Um filme de interpretações maiúsculas. Uma elegia necessária ao Western. E além de tudo isso tem uma das melhores falas da História do Cinema: "Merecer não tem nada a ver com isso". É para ver a cada ano.

Meu Ódio Será Sua Herança - Tem a cena de abertura mais excitante e graficamente bela que já vi. Essa cena contém o eixo da narrativa: as formigas devorando escorpiões que lutam até o último momento, tudo isso em meio ao fogo que consome tudo. O que faz Peckinpah até hoje um maldito e renegado é sua capacidade de afrontar. Para representar a contento um período e lugar tão feral e seco como a fronteira fervilhante entre EUA e México no fim do século XIX e começo do XX não há de se poupar os mais fracos (velhos, mulheres, criança e animais), está ai, afronta. Outro fator que faz Peckinpah ainda hoje um verdadeiro artista era suas escolhas de elenco, sempre homens brutos e de meia idade (nada mais anti-comercial para os nossos dias). É interessante para mim que todos os filmes que vi dele carregam de largada uma tragicidade que acompanha seus protagonistas em toda película. E essa tragédia se não os mata faz suas almas morrerem. Obrigatório.

Keoma - Foi o western mais sombrio que já vi, gótico quase. Southern Gothic para ser mais exato. Enzo Castellari compõem belíssimos quadros (e não estou falando só das tomadas externas) só que quando chega na trilha sonora...nossa! O mal gosto impera. E suas câmeras lentas para tiros não são nem de longe tão impactantes quanto as de Peckinpah. Ainda sim os atrativos são vários: Franco Nero; violência estilizada versus as leis da física; belas tomadas de cenário europeus tentando em vão ser american. Após a guerra a terra arrasada e os predadores se fortalecendo. Quem tem mais armas tem poder. E Keoma só queria descansar, mas antes muito sangue tem de correr.

El Topo - Daqueles que literalmente dobram a crítica com o tempo. E deixando as pirações e simbolismos um pouco de lado o filme tem imagens belíssimas, grandiosas até. Eu gosto da primeira metade, antes da morte e santificação do El Topo (a parte "Western" do filme). Apesar que a sequência da Igreja da roleta russa ser particularmente marcante. Jodorowsky tem algo de heroico, aquele heroísmo do it yourself das vanguardas, apesar de muito de seu discurso ser ultrapassado (e não me venha com aquela idiotice de que "envelheceu mal"). O deserto é infinito, a sobrevivência é sorte e o pistoleiro deve superar os gurus do revolver, mesmo que na malandragem. Ascensão e ruína de El Topo, o messias do povo deformado das cavernas. Uma boa pedida para o Sábado de tarde. 

O Portal do Paraíso - Cinemão, maiúsculo, filho de Griffith, Cecil B. DeMille, Visconti. Sabe aquele papo de que diretor fulano foi capaz de recriar uma época? Para o que Cimino fez aqui essa frase se aplica. Pode ter sido um fracasso comercial retumbante, mas artisticamente é uma jóia e, pessoalmente, eu adoro. A ressalva vai para algumas cenas truncadas do último ato, imagino que pelo corte do estúdio, mas cinco horas de filme não dá. A frase de John Bridges ecoa: " O arame farpado e as mulheres são os dois maiores agentes da civilização!". O progresso e a ordem devem ser estabelecidos: os donos de terra, as bocas para alimentar, as armas e os psicopatas. Os que chegaram primeiro contra os que chegaram depois, os dois lados se matam em abundância, assim se forma uma nação. Um filme que arrebentou os últimos alicerces do Western.

Bravura Indômita - Luminoso, límpido até. Seguramente é o filme mais acessível dos Coen. Hailee Steinfeld interpretando Mattie é um arraso. Mattie é uma garota vivendo num mundo brutal sem concessões, e não é que ela sabe se virar. Pode comparar com o filme "original" do Hathaway, é saudável. Como sempre, nos filmes do Coen, os diálogos enchem a tela, são ótimos. Interessante também como normalmente eles abraçam o caos e a aleatoriedade determinando a vida de seus personagens e aqui nesse Bravura, Mattie, Rooster e LaBoeuf tomam as rédeas do destino para si. Rooster Cogburn é um velho galo de briga, cheio de cicatrizes, mas ainda eficiente. Há muito de desejo velado entre a trinca de personagens principais que sabiamente fica nas entrelinhas. Um tiro certo.


Olha, o Kris Kristofferson seria uma obrigatoriedade no Django Unchained do Tarantino, hein!?


Os Bang-bangs são os únicos filmes que meu pai aguenta ver até o final sem dormir.


5 comentários:

  1. TBM SÃO OS UNICOS QUE MEU SOGRO AGUENTA VER ATÉ O FINAL SEM DORMIR. OS BANG-BANGS E OS FILMES DO MAZZAROPI TBM!!!

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  2. Os Imperdoáveis ÓTIMO, gosto da cena quando Munny sai do saloon depois de matar quase todos e fala
    " agora vou sair daqui
    quem aparecer na minha frente vai morrer
    qualquer desgraçado que atirar em mim
    não mato só ele, mato a mulher dele
    todos os amigos dele e queimo a casa dele".
    e sai caminhando do saloon e fazendo barulho com as
    esporas.

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  3. MINHA MÃE VEI ME VISITAR, DAI COMO ELA ADORA UM BANG-BANG FUI OBRIGADO A MOSTRAR A ELA O BRAVURA INDÔMITA!!!

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  4. Opa é isso ai Silvio, vamos continuar cultivando esse grande gênero. Bom gosto seu e de sua família. Valeu pelos comentários. Abraço!!!

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  5. Valeu! Estou ansioso pelo western do Tarantino!!!

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