Existe uma espécie de arquétipo no mundo do cinema que se repete de tempos em tempos: a criança em meio a conflito ou em inadequação com a vida de regras chatas e tristes do mundo adulto que começa a assediá-lo e acaba caindo (às vezes literalmente) em uma terra fantástica e bizarra onde são provadas e tem de buscar um caminho de volta para seu mundo de origem; quando volta a criança vem com traços de amadurecimento e compreensão das inevitabilidades do que seja crescer. Através da inconsciência as crianças que protagonizam as fitas irão chegar ao aprendizado e conscientemente entender seu lugar nesse mundo ou fora dele.
Até onde minha limitada vista de História da Literatura consegue enxergar a referência mais bem acabada, facilmente reconhecida e apreciada é Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll e Peter e Wendy de J. M. Barrie. Mas não podemos esquecer também de As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift, muito mais voltada para sátira política, ainda sim remetendo às viagens por terras fantásticas e onde as leis do mundo conhecido (incluindo as leis da física) são subvertidas e misturadas.
Agora chega de tentar bancar o Joseph Campbell. Filmes com essas premissas costumam dar ótimos resultados para os olhos. Vamos tentar escapar das adaptações mais óbvias e conhecidas de Alice no País das Maravilhas e partir para histórias de crianças que enfrentaram a mesma odisséia da inglezinha.
Afinal a infância é um período de muita confusão para quem esta vivendo, mas de muitas belezas e inspiração. Acho que para boa parte de nós que já deixou a infância para trás há algum tempo fica a nítida sensação, mesmo que vestigial, de que já visitamos um desses países impossíveis e nos perdemos do mundo que não gostávamos e que não sabia nos acolher na hora mais necessária.
Abra as portas certas e erradas. Encontre loucuras. Entre corajosamente no reino da metáfora.
Alice - Definitivamente não mostre esse filme a uma criança. Ou mostre por sua conta e risco. Os pesadelos e sonhos dela não serão mais os mesmos. o livro de Lewis Carroll já é bem desesperador e não raro cruel. A versão de Jan Svankmajer consegue acentuar e ultrapassar muito essas características. De mãos dadas ao gótico e com o terror no horizonte sem a menor dúvida essa será a tradução visual mais marcante que irás ver de Alice. Não é preciso falar dá espantoso e visualmente impactante trabalho de animação de Svankmajer pois é uma obviedade.
A História Sem Fim - As imagens, da abertura ao fim da fita, tem uma força e beleza que sempre me fascinaram. A trilha sonora é bem breguinha, mas vá lá! Em bem pouco tempo de fita você já esta de posse de todos os elementos da narrativa e de forma muito clara é imenso pelos pequenos enormes dramas de Bastian e suas viagens ao mundo de Fantasia. Um filme ainda encantador mesmo com as limitações de efeitos especiais da época. Em resumo, imperdível.
O Labirinto do Fauno - Triste. Nem os refúgios de fantasia de uma criança trazem alívio quando ela vive um inferno literal em seu dia-a-dia. A vida é intrinsecamente injusta e Ofélia vai aprender da forma mais trágica, nem a fantasia vai poder guardar o que a guerra irá lhe tirar. Um dos melhores filmes da última década (segundo esse que vos fala), daqueles para aplaudir de pé. A fantasia versus a ordem dada por superiores. O feminino acolhedor e uterino versus o masculino matador e armado até os dentes. Vidal é muito mais assombroso e letal que qualquer criatura fantasiosa (o Homem Pálido iria chorar de medo depois de uma sessão de tortura realizada pelo franquista). Inocência e imaginação são as armas mais efetivas contra o cinza de um mundo totalitário (não se engane ainda vivemos num mundo cinza e fascista). Um filme para falar por horas, voltaremos a ele. Absolutamente vital para quem gosta de cinema.
Máscara da Ilusão - Os mundos de Neil Gaiman são absolutamente e inevitavelmente atraentes. Suas criações são elegantes e quando ganham vida pelas mãos de Dave McKean o casamento é perfeito. Uma fábula tentando ser inesquecível, talvez consiga pelo tratamento dado às imagens de McKean no que trata do argumento de Gaiman esqueça. O que Helena passa na "vida real" e seus conflitos de inadequação não cativam (ai essa de menina que tem tudo e não tem nada já deu) e nem comovem apesar do bom trabalho e encanto irradiante de Stephanie Leonidas. O visual é de babar, mesmo no mundo real McKean consegue injetar doses cavalares de onirismo. Como primeira parceria para cinema dessa dupla valeu e dá vontade de ver mais coisas, torcemos.Vale assistir.
Labirinto, A Magia do Tempo - Tem a Jennifer Connelly linda. Tem o David Bowie sempre icônico. E tem os bonecos bem marcantes da Jim Henson's Company. Mas não cativa. Não sei se são os numeros musicais sem graça ou a falta de um conflito realmente relevante.
Onde Vivem os Monstros - Talvez o filme mais gelado da seleção. Direção de arte linda, trilha sonora fofa, só que nem o Max e nem os personagens apeluciados encantam. Tudo muito ranzinza, mal criado e raivoso, sobra pouco para sentir qualquer ternura ou empatia por Max ou pelos Monstros que habitam a tela. Os cenário deslumbram e o roteiro não leva a grandes conclusões além de que não há lugar como o lar (por mais chato e opressivo que seja). Enfim, cante com Karen O. Ah, e fica bem mais bonito se visto numa tela bem grande.
Tarantino adora e inveja o que Guillermo Del Toro fez em o Labirinto do Fauno.
Uma historinha que minha Vó gosta de me contar é:
Como é o nome daquela lá do canal 9? A gimenez lá?
Luciana Gimenez...
Essa. Cê acredita que outro dia, eu não assisto o programa, mas nesse dia trocando de canal eu vi dois pastores gays!? Meu Deus...onde esse mundo vai parar!?!?
...Puxa...É Vó...Mas você não assiste a Luciana Gimenez?
É, não, só quando seu Avô assiste.
É, não, só quando seu Avô assiste.
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